domingo, 10 de maio de 2009

"O Bilhete" de Filipe Paixão


Li, com imensa curiosidade, o primeiro livro (este em prosa) do autor, do qual apenas conhecia os seus textos poéticos, alguns deles verdadeiramente arrebatadores.


Não lhe chamarei um conto. É demasiado extenso e complexo para merecer tal escolha. Também julgo não ser exactamente um romance pois não contém a diversidade de temas e/ou linhas narrativas que caracterizam o género.

Julgo que poderei, sob o aspecto formal, considerar a obra que com tanto prazer acabei de ler, uma belíssima novela.

Segundo Eikhenbaum* – 1886-1959 (formalista russo que, juntamente com os restantes membros do movimento designado por “Formalismo russo”, são considerados os fundadores da crítica literária moderna), “ A novela baseia-se num conflito e tudo mais tende para a conclusão”.


Bom, foi exactamente aquilo que eu encontrei neste livro pequeno, de bom gosto, em termos de aspecto exterior no qual, centrado num bilhete que continha apenas

“Desculpa, mas tenho de ir. Até sempre, Beijo.”

me deparo com um intrincado acto de reflexão que o narrador leva a cabo, esgrimindo de forma alucinante, sentimentos, emoções, dúvidas, incertezas, confrontos consigo próprio, tristezas e agitações que o levam quase à desordem emocional. Ao mesmo tempo, a sua razão que não desiste e vai levando a melhor, de uma forma calma singela, segura e comovente, vai-nos contando o seu romance… Pois, é que existe também um enternecedor romance!


É francamente um desafio ler este, aparentemente simples, livro. O entrosamento e a dialéctica entre a razão e a emoção é de tal forma profundo, que me deixou, tal como ao próprio autor em alguns capítulos, sem respostas.


Ele, o narrador, ao fim de muita consideração, de muito avanço seguido do respectivo recuo, encontrou (?) uma solução…


Eu, colocando-me na posição do narrador, considerando a dor para a qual não estaria preparada talvez pelas inevitáveis “ciladas” que a vida em comum nos coloca e deixa os nossos olhos cegos para aquilo que provavelmente também não queiramos ver, penso que nem teria batalhado tanto tempo, nem a batalha (emoção/razão) acabaria desta forma, apesar de tudo, sem baixas.


Apenas um pequeno reparo. Foi pena que o livro não tivesse sido alvo de uma revisão cuidadosa. Algumas gralhas que eu encontrei, eram perfeitamente evitáveis e, na minha opinião, desenobrecem a qualidade do livro.


*Apenas como curiosidade. O termo “formalismo” foi criado pelos adversários deste “movimento” como algo depreciativo.

O próprio Boris Eikhenbaum diz: “É difícil recordar quem criou este nome, mas não foi uma criação muito feliz. Deve ter sido conveniente como um grito de guerra simplista mas ele falha, como termo objectivo, em delimitar as actividades da “Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética….”


Donagata

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