domingo, 10 de maio de 2009

“A árvore das palavras” de Teolinda Gersão


… Já acabou? Que pena!... Havia chegado à página 223, num sopro, sem dar por isso, quase. O fim deste cativante romance que faz jus aos outros (poucos) que conheço da autora.

Composto por três partes distintas que nos vão transportando com naturalidade à Lourenço Marques dos anos 50/60, ao seu sentir de cidade, aos seus cheiros, à sua luz, às suas gentes.

De palavras simples, as personagens vão-se desnudando complexas, profundas, absorventes.

É espantosa a forma como Teolinda compõe o tratamento narrativo dos tempos das personagens, apressando-nos, ou aquietando-nos ao sabor de uma escrita que tanto se detém em momentos, em detalhes, do mais prosaico quotidiano, como nos arrebata com o poder do sonho, da poesia.

Este efeito deve-se também à aparente fragmentação da narrativa (também aqui o tratamento narrativo dos tempos) uma vez que há uma quase permanente oscilação entre as personagens narradoras, prendendo-nos constantemente a atenção e despertando interesses inadiáveis; é quase impossível parar.

Recomendo vivamente. A mim está-me a custar muito pousá-lo (acontece sempre com os livros que me agradam muito). Irei, certamente, reler alguns excertos absolutamente encantadores quer pela sua magia quer pela ingenuidade que deixa transparecer, quer apenas pelo gosto de reler as palavras.

Apreciem apenas um pouco:

“Na Casa Preta não havia medo dos mosquitos, nem se receava, a bem dizer, coisa nenhuma. Na Casa Preta as coisas cantavam e dançavam. As galinhas saiam do galinheiro e pisavam a roupa caída do estendal, cagando alegremente sobre ela. Lóia gritava enxotando-as mas desatava a rir ajoelhada na terra, esfregava outra vez a roupa com um quadrado de sabão e regava-a com um regador cheio de água.”

“Todas as coisas do quintal, dançavam, as folhas, a terra, as manchas do sol, os ramos, as árvores, as sombras. Dançavam e não tinham limite, nada tinha limite, nem mesmo o corpo que crescia em todas as direcções e era grande como o mundo. O corpo era a árvore e o corpo era o vento.”

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