domingo, 31 de maio de 2009

"O Prazer da Leitura)


Li ontem um pequeno livro editado pela FNAC em parceria com as Edições Teorema com vista a comemorar o Dia Mundial do Livro em 2009.

É uma colectânea de contos de cinco autores portugueses (Richard Zimler, de origem norte-americana, naturalizou-se português em 2002 e vive no Porto (claro)) que, na minha opinião, traduzem parte do que melhor se faz por cá.

Começa com um texto de Walter Hugo Mãe, esplêndido, dentro do seu registo habitual, explorando um mundo rural, ao mesmo tempo ingénuo e agressivo e vai continuando com Jacinto Lucas Pires também dentro do seu tipo de escrita um texto que tem tanto de insólito como de arrebatador; imaginem alguém que aperfeiçoa ao limite a técnica de roubar livros nas livrarias... E o resto que se segue.

Segue-se Patrícia Reis que eu não conhecia mas, após a leitura deste pequeno texto comovente na sua realidade, me deixou com grande curiosidade em relação à sua escrita. Jorge Reis Sá, outro autor ainda desconhecido para mim, que apresenta um trabalho que tem tanto de surpreendente como de possível numa linguagem actual e flexível, conforme o que está a escrever. Presenteia-nos até com belíssimos excertos de poesia de Eugénio de Andrade e de Alexandre O’Neill.

Por fim Richard Zimler, autor por demais meu conhecido e de quem sou absolutamente fã (não incondicional, nunca incondicional de ninguém) que nos faz visitar a mente de uma menina portuguesa emigrada na América com a sua família portuguesa com quem não se identifica. Pouco proficiente no seu Inglês, ainda, vive momentos solitários…

Bom, mais uma obra a ler. Uma perolazinha que se lê numa tarde de calor.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

“O Arquipélago da Insónia” de António Lobo Antunes


Finalmente respirei fundo e lá tomei alento para ler “O Arquipélago da insónia” de António Lobo Antunes que, há já uns tempos, aguardava a minha leitura.

Começo já por dizer que, embora não aprecie particularmente a imodéstia, a presunção conscientemente assumida do autor, não posso, confundir essa sua característica com a sua qualidade como escritor.

Pois bem, devo dizer que gostei bastante do romance (se de romance se trata e não quero nem tenho condições para entrar nessa polémica. Nem tampouco acho que tenha qualquer importância. É uma mera questão formal).

Lobo Antunes centra-se numa personagem, um autista, e através de um discurso narrativo permanentemente fragmentado, sem atender a sequencialidades temporais ou semânticas, a relações de causa/efeito, misturando o real com a ilusão, o presente com o passado, colocando os vivos a dialogar com os já mortos, vai-nos desfiando a história de três gerações de uma família rural, provavelmente ribatejana, desde a sua ascensão (com o avô como o patrão prepotente e poderoso) até à sua queda total. O nada que o neto recebe.

Este é o registo da maior parte do livro.

A parte final muda um pouco e é então aí que o autor coloca as outras personagens a transmitir a sua visão dos acontecimentos.

É também quando tudo acaba por se encaixar e se abrir na nossa frente um exercício profundo de linguagem em que o enredo (pois subsiste uma história) serve apenas como pretexto para a recreação com as palavras que parecem ter vida própria e se escapam, irreverentes, às leis da linearidade.

Como se infere do que acabo de escrever não é um livro fácil. A intenção, no meu ponto de vista, também não é sê-lo. Por vezes é necessário reler trechos ou até capítulos para conseguirmos apanhar, sobretudo, a totalidade da magia das palavras bem como possíveis sentidos que nos escapem numa leitura mais desatenta.

Contudo, devo dizê-lo, é algo que se faz com imenso prazer. Aliás uma segunda leitura não está fora de questão.

Recomendo vivamente para quem tiver paciência para fazer da leitura um exercício de atenção.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Os detectives selvagens de Roberto Bolaño


Como, normalmente, sou apreciadora da literatura sul-americana em relação à qual tenho tido surpresas deveras gratificantes mesmo com autores que não conhecia, o que é também o caso, quando vi “Os detectives Selvagens” nos escaparates da livraria e depois de ler a resenha que o acompanha, os prémios que ganhou, e as críticas credíveis que constam da contra-capa, comprei-o de imediato e, logo que pude, dei início à sua leitura.

Esta revelou-se uma grande empreitada. Em primeiro lugar porque o livro é bastante grande embora isso não constitua problema, apenas leva mais tempo. Depois porque não foi, para mim, de leitura fácil. Tive, algumas vezes, de voltar atrás para me reposicionar em relação à personagem que intervinha no momento.

Apesar dessa “dificuldade”, apenas minha certamente, considero que li uma excelente obra.

Sob o pretexto de procurarem a sua mentora, exilada voluntariamente talvez para o deserto de Sonora, dois poetas enigmáticos pertencentes ao movimento “real visceralismo” percorrem vários locais da América do sul, da Ásia Menor e até da Europa tendo vivido um mundo de situações. Este movimento (realismo visceral), vanguardista (anos 50) surge numa tentativa de revolucionar o campo literário mexicano opondo-se àqueles que são considerados os pais da literatura hispano-americana: Octávio Paz (prémio Nobel da literatura) e Pablo Neruda.

Assim, escrito sempre em forma de diário com 96 entradas correspondendo a 53 vozes (daí por vezes a dificuldade em perceber quem é quem), por um período de cerca de 20 anos, vamos lendo histórias apaixonantes escritas por personagens incríveis que, de um modo ou de outro, cruzaram as suas vidas com esses dois poetas em demanda.

As histórias, revelavam-se umas deveras excêntricas, outras com o intuito de ridicularizar alguns sectores da sociedade, outras, mais reais e mais simples, mas não menos curiosas, algumas verdadeiramente dramáticas... Enfim, uma chusma de referências literárias ficcionais mas sobretudo poéticas, que nos inebria pela forma como somos apanhados pelo mundo das letras, da escrita, da poesia.

A ler com atenção!

“O sétimo selo” de José Rodrigues dos Santos


Ao terminar a leitura deste último romance de José Rodrigues dos Santos ficou-me uma sensação de desconsolo e, até de desconcerto.

Sou grande apreciadora do autor enquanto jornalista e mesmo enquanto romancista. Tenho um grande apreço pelo seu apurado trabalho de investigação actualizada acerca dos temas que aborda. Acho oportuno e de grande interesse actual o tema que aborda neste romance. Contudo, fiquei com uma sensação estranha de que algo não tinha funcionado.

Em termos de estrutura formal do enredo, José Rodrigues dos Santos faz, quanto a mim, uma abordagem demasiado próxima daquela que utilizou em “A Formula de Deus”. Vejamos:

A mesma personagem principal Tomás, historiador, criptologista e professor na Universidade é contratado por “alguém” para desvendar um enigma e encontrar um amigo seu desaparecido; tal como no anterior, só que o amigo era do pai e não seu...

Depois de aceite o desafio, Tomás vê-se envolvido numa sucessão alucinante de peripécias e aventuras, envolvendo risco da própria vida; tal como no anterior...

A acompanhá-lo nessas aventuras, pelo menos em parte, está uma beldade arrebatadora; desta vez é russa, da outra era iraniana...

Depois desse imenso périplo de situações perigosas, tudo termina mais ou menos bem embora “in extremis”; tal como no outro...

No anterior Tomás tinha que gerir um grave problema pessoal no meio de toda a confusão, a doença terminal de seu pai e a sua impossibilidade em estar presente. Neste tem também de lidar com a perda progressiva de faculdades da sua mãe, incapaz de viver sozinha, levando-o a ter de tomar a opção dolorosa de a colocar numa casa de repouso.

Enquanto decorre a acção, este livro, tal como o anterior em comparação está pejado de conversas entre personagens cujo objectivo é, quase podemos dizer, meramente didático, com longas e repetidas explicações acerca de temas como o aquecimento global e suas causas, a posição dos diversos países e a escassez dos combustíveis fósseis. Pese embora a pertinência e importância inquestionável dos assuntos em causa, essas explicações, do meu ponto de vista exageradas (não é um assunto tão difícil de entender e, supostamente, o interlocutor é professor numa Universidade...) fazem com que o livro sofra quebras importantes no seu ritmo. Também isto já havia acontecido em “A fórmula de Deus” mas como as explicações aí se referiam a assuntos pouco próximos do domínio comum tal como a teoria da relatividade e outros conceitos desenvolvidos por Einstein e noções de física quântica, estas explicações eram imprescindíveis tornando-se parte integrante do enredo não parecendo maçadoras. Sem elas o romance tornar-se-ia incompreensível para uma parte razoável dos seus possíveis leitores.

Porém, apesar de parecer que, a meu ver, claro, tem alguns pontos menos positivos, recomendo, repito, recomendo a sua leitura.

Apesar de tudo é um livro que nos acorda, bruscamente, devo dizer, para problemas que, na maioria das vezes preferimos ignorar e fazer de conta que não é nada connosco.

Fazer-nos encarar de frente a perenidade de coisas que tomamos como certas e eternas é, no mínimo, assustador. É que essa escassez, esse fim anunciado, não é algo fruto da imaginação de alguém a dar conteúdo a um qualquer livro de ficção científica.

Não, é algo realmente próximo e que poderá ainda afectar-nos a nós, estes que aqui andamos agora.

Isso já é outra conversa, não é?

quarta-feira, 27 de maio de 2009

“o remorso de Baltazar serapião” de Valter Hugo Mãe


Porque tenho sempre alguma curiosidade em conhecer novos escritores, sobretudo nacionais, tinha há já algum tempo em “lista de espera” o livro de Valter Hugo Mãe, prémio literário José Saramago 2007 “o remorso de Baltazar serapião”.

Confesso que a sua leitura constituiu para mim uma surpresa enorme; foi quase como se tivesse, de repente, levado um murro no estômago. Perdoem-me a metáfora deselegante mas na verdade não me ocorre nada que melhor reflicta o que senti ao lê-lo.

Não julguem que quero dizer com isto que não gostei do que li. Não, muito pelo contrário, gostei muito. Só que se trata de um livro forte e despudorado sobretudo no que concerne à condição da mulher.

O romance passa-se algures numa idade média, indefinida e é protagonizado por uma família muito pobre na qual a condição da mulher se iguala e, em alguns casos, até se apouca em relação á dos seus animais, sobretudo à de sarga a vaca da família.

Baltazar, o filho mais velho, vem a casar com uma bela donzela que cedo vê compartilhada com o seu senhor de uma forma que nunca chega a entender. Possuído pelo ciúme, também ele, Baltazar, tal como seu pai havia já feito com sua mãe, sujeita a sua mulher às maiores sevícias, estropiando-a com o objectivo de a “educar”. Acaba por se enredar em bruxarias e, finalmente, quando já nada lhe resta, surge o remorso.

É um livro que retrata uma realidade extremamente dura expressa num tipo de linguagem que o autor pretende ser uma reprodução da linguagem arcaica utilizada pelo povo.

Abre-nos uma janela para um novo modelo de escrita ao mesmo tempo que, na minha opinião, poderemos considerá-lo também uma metáfora em relação aos mais diversos tipos de violência que, ainda hoje, é exercida sobre a Mulher.

Forte motivo para reflectirmos uma vez que se celebra hoje o “Dia Internacional da Mulher” e há, por esse mundo fora situações em que as mulheres vivem numa condição tanto ou mais humilhante do que aquela que a que este romance nos transporta.


Nota: Estas resenhas não estão ordenadas pela ordem de leitura. Embora já aqui tenha comentários mais recentes do autor, este foi, de facto, o primeiro livro em prosa que li dele.

Tem também boa poesia.